quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Do you know roska?


Adoro caipirinha. Isto é: desde que (1) não seja de pinga, (2) não contenha limão e (3) venha sem açúcar.

Sim, sou completamente convertido à causa da caipiroska. Ou caipivodca, como dizem no Rio. Ou simplesmente "roska", como falam na Bahia. No meu caso, sempre sem açúcar. E com qualquer fruta que não seja limão.

Por vários motivos. Em primeiro lugar, porque pingas sérias merecem ser tomadas puras, como toda aguardente que tenha um nome a zelar.

Depois, porque a mistura de pinga com açúcar branco é letal para o fígado, a cabeça e, por que não, a alma. E finalmente, porque não faz sentido desdenhar todo o conteúdo do turbante de Carmem Miranda em favor da mesmice azeda do limão.

Minha conversão se deu há alguns anos, quando fui apresentado à caipiroska de lima-da-pérsia. Foi como ouvir João Gilberto pela primeira vez. Sim, a caipiroska de lima-da-pérsia está para a caipirinha tradicional assim como a bossa nova está para o sambão.

Desde então, tenho pesquisado e degustado caipiroskas com o entusiasmo e um rigor de enólogo. Ainda vou ser o Robert Parker da caipiroska. (Aguardem nas bancas: "The Caipiroska Spectator", com periodicidade bimestral, analisando safras de frutas e interações alimentares.)

O melhor de ser um analista de caipiroskas é que você não precisa ficar inventando imagens abstratas para explicar o que está degustando. Sem essa de bouquet de frutas silvestres, notas de carvalho ou retrogosto de chocolate. Se uma caipiroska de abacaxi não tiver gosto de vodka com abacaxi, trata-se de uma caipiroska de abacaxi incompetente ou fajuta.

A caipiroska de lima-da-pérsia (sem açúcar, please), por exemplo, é o champagne das caipiroskas. Seu sabor sutil e refinado combina com qualquer coisa que você sirva, do tira-gosto à sobremesa.

Comida indiana? Caipiroska de manga. Dulcíssima e inteiramente comestível, a caipiroska de manga é uma espécie assim de chutney líquido e poderosamente alcoólico. É a resposta que o mundo esperava à pergunta mais difícil da gastronomia: que bebida servir com curry? Ainda vou ser famoso por essa descoberta.

Pratos brasileiros fortes, acompanhados com farofa e pimenta? Ôpa: caipiroska de caju. Mas com a fruta de verdade, fazendo o favor. Caipiroska de caju em garrafa não tem a menor graça.

No município de Santo André, na Bahia, os cajus sofrem um congelamento relâmpago num freezer industrial, e podem virar caipiroskas de caju o ano inteiro.

Sábado de sol? Iscas de peixe à milanesa à beira da piscina? Ou, simplesmente, síndrome de abstinência? Caipiroska de tangerina. Inocente, refrescante, ideal como primeira caipiroska do dia.

Pedir para o garçom recitar o menu de caipiroskas é uma das grandes alegrias em cartaz na Bahia. Você pergunta: "Tem roska de quê?". A resposta vem cheia de vírgulas e três pontinhos. Geralmente começa com "Kiwi, morango, uva...." -- porque são as frutas "exóticas" da região, cultivadas com orgulho no São Francisco.

Em seguida vêm as normais: "Abacaxi, lima, caju, manga, tangerina...". Tenha paciência, e logo aparecem as realmente diferentonas: "Cajá, sirigüela, carambola". Essas mais esquisitas costumam ser meio azedinhas, e por isso requerem açúcar. Eu recomendo as mais papai-mamãe.

Daí você escolhe: "Tangerina". E o garçom imediatamente grita com o barman: "Uma tangiroska!". Sim: a Bahia é tão caipiroskamente evoluída, que cada roska tem seu próprio nome sintético. Abacaxiroska. Cajurosca. Cajarosca. Kiwiroska. Sirigüeloska? Provavelmente.

Mas basta você tomar o rumo Norte para toda essa civilização caipiroskal evaporar. Em Alagoas ou Pernambuco, se você perguntar: "Tem caipiroska de quê?", é quase certo que a resposta seja: "De vodka".

A caipiroska é uma manifestação superior do talento nacional. Ensinar caipiroska nas escolas. Fazer um Telecurso Caipiroska para levar a técnica a todos os rincões do país.

Eu faço a minha parte. Toda vez que vejo um gringo se entupindo inavertidamente de caipirinhas tradicionais, eu pergunto: "Do you know roska?"



Ricardo Freire